28 de novembro de 2019

RESENHA - O MORRO DOS VENTOS UIVANTES



Sinto sempre uma responsabilidade muito grande, quando escrevo sobre algum clássico da literatura, foi assim com o meu querido e inesquecível, O Retrato de Dorian Gray. Falar sobre livros icônicos é sempre difícil. Lembro-me que fiquei em estado de choque quando terminei o livro, é clichê, eu sei, mas não há sentimento melhor que expresse o que senti. Nunca mais fui a mesma. Escrevi sobre o livro, mas não tive coragem de mostrar a ninguém, eram palavras de uma menina deslumbrada com seu primeiro romance, dizeres piegas e inocentes demais. Mas não poderia deixar de compartilhar outra impressão de leitura, desta vez de O Morro dos Ventos Uivantes, mesmo correndo risco de usar clichês de apaixonada, uma vez que este livro, a exemplo do Retrato, também me causou arrebatamento. 

Estamos na Inglaterra do século XIX, e a história acompanha uma moça mal educada e de lindos olhos azuis, que se vê apaixonada por um cigano adotado por seu pai, que não dá muitas explicações de onde encontrou o menino. Heathcliff e Catarina Earnshaw, o casal sombrio mais famoso e odiado da literatura, se apaixonam fulminantemente e marcam com sofrimento a vida daqueles que o cercaram. Porém, por conta de orgulho, ambição e vingança, não vivem seu amor e acabam levando-o para além da vida.

É uma sensação de estar no inferno o que o livro nos faz sentir a cada página lida. Os personagens são intensos e munidos de uma maldade natural. A todo momento você é provocado a raciocinar sobre os personagens e suas motivações, e ainda tentar decifrá-los. Um livro controverso, não existe um acordo sobre ser bom ou ruim. É algo como ame ou odeie, e muitos odeiam. Eu amo, amo porque entendo a obsessão e a loucura do amor de Heathcliff e Catherine, entendo-os como iguais, como loucos e especialmente como apaixonados até o ponto em que se tornaram obcecados. Nelly, a empregada de O Morro dos Ventos Uivantes, é quem está encarregada de nos apresentar a história de todos, principalmente a do casal controverso, e entre amor e ódio, muitos não têm certeza se apoiam Heathcliff ou se o odeiam por toda sua falta de escrúpulos e qualquer demonstração de compaixão por quem quer que seja. 

Ambos vivem numa sociedade que os pressiona a destruir seus verdadeiros “eus” – o que gera certa compaixão pelos os dois e seus sofrimentos – A separação que os atinge, chega de uma forma trágica e com consequências que perdurarão gerações. Catarina se entrega ao abismo de sua depressão com consequências terríveis, o que reflete no caráter de Heathcliff, tornando-o mais amargo e impiedoso. 

É desafiador e prazeroso observar os personagens, descobrir neles, a causa do que os corrompe e os torna todos detestáveis, até mesmo, em alguns momentos, a própria Nelly, que é a mais amável da trama. Caty e Heathcliff demonstram sempre nunca se sentirem pertencentes a lugar algum se não estiverem juntos, os dois se identificam em suas personalidades livres e rebeldes, marcando com dor e sofrimento quem ousa se impor ao amor dos dois.

Tão intenso, obscuro e inquietante para uma mulher ter escrito, que é muito fácil compreender por que Emily teve que se tornar Ellis Bell para conseguir publicá-lo. Ainda assim, seu livro foi rejeitado por tratar do amor entre dois anti-heróis da forma forte e demoníaca como o fez, por fugir da tradição vitoriana de romance e usar de violência e morbidez.

A frase final para o livro? Contradizer a ordem. E o mesmo vale para Emily, que ao falecer em 1848 de forma tão irresponsável, não chegou a ver seu livro assinado por seu verdadeiro nome – e que, irônica e tragicamente, em O Morro dos Ventos Uivantes, a sociedade e seus valores altamente conservadores triunfam no final.

O dia em que eu me apaixonei pela liberdade

Elevan A.M., 1926

Quando chega a hora de voar e a gente voa, mas não é só o endereço que muda, há algo dentro de mim que sofre uma transformação imediata e absurda quando resolvo ir embora. Uma parte de mim sempre fica e a outra parte, ganha milhares de novas incertezas. Acredite: ninguém sabe ao certo para aonde você está indo – e muito menos quem já se foi.

O frio na barriga continua o mesmo. A insegurança permeia a metáfora do meu discurso. Ainda temo não saber o que fazer da vida, no entanto, apego-me a mim. Porque nos dias mais assombrosos que precisei fugir, eu estava lá, em mim, comigo.

Ainda dá uma gastrite danada dessa dúvida entre chorar e sorrir, entre o ir e o ficar, entre abraçar e não largar. Ainda continuo me importando se irão julgar minhas escolhas como burras, erradas, impensadas – como se alguém, olha só, soubesse o que é melhor pra mim além de mim mesma.

Há quem duvide do ato de arrumar as malas. Se for ruim ou não, costumo achar que deixo um pedaço de mim em qualquer lugar que me despeço. Talvez seja o peso etílico-amelístico que pessoas intensas carregam nas malas, talvez seja modéstia imaginar que, no meio desses quilômetros todos, aparecem as dúvidas. Às vezes, sou contraditória. Vivo descobertas entusiasmadas e, no dia seguinte, acordo num tédio querendo voltar. Amo, mas penso que não é tudo aquilo que planejei. Ou penso que era tudo aquilo que imaginava, mas ainda não consigo acreditar. Porém, sigo na esperança de me encontrar.

Caminho e ainda sinto como se fosse aquela criança passeando descalça pelas ruas de minha casa. Não vejo o perigo. Arrisco-me nele. Agora, com os meus vinte e poucos, deparo-me com minhas asas mais abertas. Inclino-me na liberdade de encarar e tentar descobrir se é mesmo isso aí, como diria tio Grijó: “nos tornamos aquilo que achamos que iríamos ser.”

E, no meio disso tudo, descobrir que abandonar um pouco do lugar que era tão nosso e mudar pra um lugar distante é também uma maneira de se reinventar. É uma maneira de se livrar de tudo o que acham que deveríamos ser, de tudo o que acham devíamos fazer, de todas as escolhas que acham que deveríamos tomar.

Não sei. Talvez seja cedo pra falar ou talvez eu nunca saiba bem sobre tudo o que falo, mas nesses dias de saudades, medos gigantes e descobertas felizes, o que eu sei é que se permitir sermos o que somos é, no fundo, uma forma de se libertar.